As Limitadas representam o tipo de sociedade empresária mais comum do país, que atingiu, em 2022, o impressionante número de 5.063.338 (cinco milhões, sessenta e três mil, trezentos e trinta e oito) empresas ativas.
Isso não acontece por acaso.
A Limitada nasceu para ser uma sociedade desburocratizada. O registro é rápido. A contabilidade, mais fácil. A publicidade mais relativizada. Os custos, menores. Enfim, as regras, mais simples.
Ainda que esse tipo societário seja uma opção mais confortável e tentadora, ele não deve ser adotado como uma espécie de “regra geral”. Mesmo para negócios considerados pequenos ou médios.
Há várias circunstâncias e possibilidades que fazem com que as limitadas não sejam o tipo societário mais adequado para certos tipos ou estágios de negócios, configurações ou maturidade de sociedades, definições ou alocações de investimentos, contratações ou estruturações de dívidas. Por vezes, é mais até vantajoso que uma empresa já nasça sendo uma Sociedade por Ações (S.A). A depender da atividade ou empreendimento a serem explorados, do perfil ou relacionamentos dos sócios, do montante e origem dos investimentos, do tipo e garantias das dívidas, vale a pena pensar em uma S.A.
Por serem os dois tipos societários mais comuns no país, e por ainda gerarem grandes dúvidas nos empresários quanto à sua utilização, este artigo explorará as principais vantagens e os diferenciais entre as Sociedades Limitadas (Ltda.) e as Sociedades por Ações (S.A). Para saber mais sobre o tema, continue a leitura.
A primeira grande diferença entre as Ltdas. e as S.A está relacionada ao capital social de cada uma. Enquanto nas “sociedades” Ltdas. ele é dividido em quotas sociais, nas “companhias” S.A a divisão se dá por ações. A diferença vai além da mera nomenclatura.
Por todas as suas características, as limitadas são um tipo de sociedade essencialmente “de pessoas”: os “quotistas”. Ou seja, é uma sociedade na qual as qualidades pessoais dos sócios são basilares para o desenvolvimento do negócio. É uma relação intrinsecamente contratual, pessoal. E por isso mais fácil de se desfazer, seus vínculos são menos estáveis.
As S.A, por outro lado, são conhecidas como “sociedades de capitais”, porque a subjetividade dos “acionistas” não é o que mais importa para o desenvolvimento do negócio. Valem menos os atributos de cada um, e mais o seu bolso. É uma relação institucional, como fica claro na possibilidade de abertura do capital ao público em geral (por meio da listagem em bolsas de valores). Fica mais difícil sair, o vínculo é mais estável.
Por isso, a quota pode sofrer restrição de circulação. Já a ação, deve circular livremente. Um quotista fica mais “preso” à sociedade do que um acionista à companhia.
Outro aspecto é que, enquanto nas limitadas as alterações de quadro societário devem ser tornadas públicas (pelo registro na Junta Comercial), nas S.A de capital fechado, após sua constituição, as ações podem circular livremente em livros próprios sem que seja necessária a publicação das alterações feitas no quadro acionário. Pense na facilidade de se transferir uma empresa sem depender da Junta Comercial, e na comodidade de se fazer isso com confidencialidade.
Quanto às ações, podem ter três naturezas distintas: Ordinárias, preferenciais ou de fruição, a depender dos direitos ou vantagens que confiram aos seus titulares.
As preferenciais, como o próprio nome já diz, se diferenciam das ordinárias por conferirem aos seus titulares preferências ou vantagens (como prioridade na distribuição de dividendo, prioridade no reembolso do capital, etc.). Já as de fruição são as que resultam da amortização das ações ordinárias ou preferenciais.
Preferenciais e ordinárias podem ter classes diversas e, no caso das companhias de capital fechado, ações ordinárias poderão ter classes que variam em função (i) da conversibilidade em ações preferenciais; (ii) da exigência de nacionalidade brasileira do acionista; (iii) do direito de voto em separado para o preenchimento de determinados cargos de órgãos administrativos; ou (iv) da atribuição de voto plural a uma ou mais classes de ações.
Enquanto nas companhias fechadas não há limitação de classes, nas companhias de capital aberto a realidade é outra: as ações ordinárias podem pertencer apenas a uma classe, ressalvada a criação de classes com voto plural.
Todo esse portifólio, somado aos demais valores mobiliários possíveis em uma S.A (como debêntures, bônus de subscrição e partes beneficiárias), faz com que esse tipo societário possa ser utilizado para modelagem e estruturação dos mais variados empreendimentos. O dinamismo do empresário, aliado à criatividade dos advogados, faz com que complexas combinações de negócios, investimentos, dívidas, estruturas, pessoas, regras, etc, possam ser regulamentadas em uma mesma pessoa jurídica com segurança jurídica.
Já nas sociedades limitadas, geralmente não existem categorias distintas de quotas. Só isso já limita bastante o uso desse tipo de sociedade em negócios com maiores nuances. A exceção é o caso das sociedades limitadas com regência supletiva pela Lei das Sociedades por Ações, na qual é permitida a criação de quotas preferenciais.
A administração das sociedades limitadas já foi muito diferente daquela das sociedades por ações.
Nas limitadas, é possível que a administração seja exercida por uma ou mais pessoas, sócias ou não sócias, a depender do que dispõe o contrato social, e seus mandatos não precisam ter prazos pré-definidos. Já nas S.A, além de um conselho fiscal – que, por sua vez, pode ser instituído também nas limitadas, era necessário que existissem, no mínimo, dois administradores. Desde 2021, porém, também nas S.A permite-se apenas um diretor.
A Lei 6.404/76 (LSA) prevê, ainda, a possibilidade de criação do Conselho de Administração, que representa uma administração colegiada, sendo ele facultativo nas sociedades de capital fechado e obrigatório nas de capital aberto e nas de capital autorizado.
Os administradores das S.A, assim como nas Ltdas., não precisam necessariamente ser acionistas, e é plenamente possível que haja a contratação de profissionais para o exercício dessas funções. No entanto, ao contrário do que acontece nas limitadas, nas S.A os mandatos dos administradores devem ter prazos definidos.
Nas sociedades limitadas, cada quota dá ao seu detentor o direito a um voto nas deliberações sociais. Com as recentes mudanças implementadas pela Lei nº 14.451, de 2022, que já foram discutidas em artigo anterior, quase todas as questões atinentes às limitadas podem ser decididas pela maioria do capital social.
Já nas S.A, os votos são computados de acordo com as ações ordinárias ou preferenciais (quando não desprovidas de direito de voto) detidas por cada acionista. As deliberações, em geral, são aprovadas pela maioria absoluta dos votos (isto é, metade mais um dos presentes, não se computando os votos em branco). Deliberações específicas (artigo 136 da LSA, por exemplo) dependem de quórum qualificado (maioria do capital social), sendo certo que a companhia fechada poder aumentar o quórum, desde que especifique claramente as matérias.
Além disso, é permitido que, nas S.A., sejam criadas classes de ações ordinárias com a atribuição de voto plural, não superior a 10 (dez) votos por ação.
A divisão dos lucros também é um tema determinante na escolha do tipo empresarial ideal para cada negócio. É que, enquanto nas limitadas os sócios podem dispor livremente sobre sua destinação e podem distribuir os lucros de forma desproporcional ao capital social, nas S.A há o dividendo obrigatório (previsto no estatuto ou, quando for omisso, observado o artigo 202 da LSA), e a distribuição, em regra, deve observar a proporção do capital social.
Nesse particular, uma ressalva é que, na companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais), a assembleia está livre para decidir sobre dividendos, observado o § 4º do artigo 204 da LSA.
Ainda, a maior vantagem de S.A em relação à Ltda. nesse tema é que, como as ações podem ser divididas em espécies distintas (ordinárias e preferenciais), com várias classes, os direitos econômicos podem ser atribuídos de modo distinto, atendendo aos interesses de cada acionista e permitindo uma infinidade de combinações. Assim, por exemplo, preferencialistas podem ter prioridade no recebimento de dividendos periódicos (com cálculo em quantia, em percentual do capital ou do patrimônio líquido), reembolso de capital na liquidação da sociedade, com ou sem prêmio, ter ou não voto, fazer jus a dividendos prioritários (fixos, mínimos, cumulativos, não cumulativos), etc.
Imagine uma situação em que se combine uma coisa com um, outra coisa com outro acionista. Um investe um valor, o outro o faz por um preço diferente. Um tem direito a um retorno, o outro um retorno diferente. Um faz jus ao resultado de uma certa divisão, o outro de uma diferente. Quase tudo é possível, se for em uma S.A.
A última diferença relevante que se abordará no presente artigo diz respeito às publicações dos atos societários relativos aos dois tipos aqui explorados.
As S.A têm como dever a publicação dos seus atos constitutivos, convocações e atas de assembleias gerais, e demonstrações financeiras no Diário Oficial e em jornal de grande circulação do estado em que tiverem sede (ou eletronicamente, se a companhia fechada tiver receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00). Essa obrigatoriedade tem como fundamento a garantia da transparência nas atividades dessas companhias.
Em se tratando nas sociedades limitadas, não há dever de publicação de qualquer de suas decisões administrativas. Embora seus atos constitutivos e posteriores alterações sejam públicas, suas decisões administrativas não o são.
A escolha pelo tipo societário das limitadas, logo no início de um negócio, pode, de fato, ser a mais acertada. Começar a empreender é algo naturalmente arriscado, e ter uma empresa com regras mais simplificadas ajuda o empresário iniciante. Nessa hora, o menos é mais.
Acontece que, a depender da fase de desenvolvimento da empresa, o que antes era a solução dos problemas dos empresários pode passar a ser a trava que o negócio não precisa. Às vezes, a flexibilidade das regras das S.A será a resposta mais simples para lidar com dilemas societários que a legislação das limitadas não consegue resolver.
Por isso, é preciso que o empresário esteja atento e caminhe lado a lado com seus assessores jurídicos e contábeis para que reavalie, de tempos em tempos, se a estrutura societária da empresa condiz com o estágio do seu desenvolvimento.
Por Marlos Nogueira e Jade Fioravante.