Voto Plural na S/A: Como Controlar a Empresa sem ser Majoritário?

Voto Plural na S/A: Como Controlar a Empresa sem ser Majoritário?

Se você é o fundador de uma empresa que está crescendo exponencialmente, como você faz para conciliar as necessidades de atrair mais investidores e, ainda assim, manter o controle do negócio?

Você talvez já tenha ouvido falar de fundadores diluídos drasticamente no capital social ou colocados para fora de suas próprias empresas. Provavelmente já tenha assistido a filmes sobre como o brasileiro Eduardo Saverin foi diluído no Facebook por Mark Zuckerberg, ou sobre a épica batalha de Steve Jobs com John Sculley, que resultou na demissão do fundador da Apple. Talvez já tenha ouvido o Thallis Gomes contar que tinha menos de 5% da Easy Taxi quando foi vendida para a Cabify por R$ 1 bilhão e se perguntado por que não foi ele quem ficou bilionário.

Se você acompanha notícias de finanças, deve ter se perguntado por que XP, Stone, Pagseguro, Vtex e, em breve, Nubank, optaram por abrir seu capital nos Estados Unidos. Será que os únicos motivadores são o acesso ao maior mercado de capitais do mundo e maior valuation, jogar o jogo dos grandes players mundiais, internacionalizar o negócio, reforçar a marca globalmente e ter maior força de escala? Haveria alguma outra razão?

Guilherme Benchimol abriu o coração ao mercado quando deixou claro que optou pela listagem da XP na Nasdaq para “nos dar espaço para novas emissões de ações, sem colocar em risco o controle da empresa e a sua total independência – fato esse que não seria possível por meio da legislação brasileira atual”.

Bem, esse obstáculo citado por Benchimol – trazer novos acionistas sem arriscar o controle e independência da empresa – já não existe mais por estas bandas desde a sanção da Lei de “Melhoria do Ambiente de Negócios” (14.195, de 26 de agosto de 2021).

A nova lei que, a exemplo da Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19), interfere em várias normas buscando modernizar, aperfeiçoar, desburocratizar e agilizar o empreendedorismo no país, trouxe uma solução para esse dilema: o “supervoto”. Através do mecanismo de voto plural, mais simples do que as ações preferenciais diferenciadas antes utilizadas (por exemplo por Azul e Gol), é possível alcançar resultado semelhante. Agora, o princípio de “cada ação, um voto” passou a ser relativo.

Com esse mecanismo, o empreendedor poderá manter o controle nas sociedades anônimas mesmo se for minoritário. E bota minoritário nisso! Como, agora, poderão ser atribuídos até dez votos para cada ação ordinária, basta fazer as contas. Se não existir nenhuma ação preferencial, alguém com pouco mais de 9% já poderia exercer o controle. Se o capital social for dividido igualmente entre preferenciais sem direito a voto e ordinárias, bastaria o ordinarista com tais ações de “múltiplo dez” deter os mesmos 5% que o Thallis tinha na Easy Taxi para mandar no negócio.

Tanto poder veio com alguns limites e salvaguardas. Por exemplo, sua vigência pode se dar até a ocorrência de algum evento ou termo, previstos em estatuto. O período, até sete anos, renováveis por qualquer prazo. Os quóruns legais, já qualificados e específicos (se maiores não forem previstos em estatuto social). Os preferencialistas também são ouvidos. A deliberação de prorrogação do prazo, além de obedecer aos tais quóruns para ser aprovada, deverá excluir os votos dos detentores das ações cujo superpoder se pretende prorrogar. Ainda, se quóruns legais forem indicados em percentuais de participação societária e sem mencionar quantidade de votos, então o supervoto não será considerado.

Nitidamente, a ideia é, por um lado, permitir ao empreendedor manter a sua visão e orientação da companhia na fase de crescimento. De outro, dar conforto ao investidor de que aquele negócio continuará orientado pela visão daquele empreendedor. Isso parece conflitar, claro, com as melhores práticas de governança corporativa (do Novo Mercado da B3, por exemplo). Mas há casos e casos, não é mesmo? Afinal, você investiria na Apple lá atrás se Jobs não estivesse à frente, na XP se Benchimol não a conduzisse ou no Facebook se o demitido tivesse sido o Zuckerberg?

Daí porque o mecanismo não é aplicável a todo tipo de negócio. Cai bem, por exemplo, para os negócios tech ancorados por um forte empreendedor em sua fase de crescimento exponencial. Ou para qualquer negócio em que se busque forte expansão à custa de bastante capital. Afinal, na juventude de um negócio e na perspectiva da exponencialidade, nem sempre conversas sobre sacrifício de lucro para ganho de escala (o próprio Nubank e a Amazon, por exemplo) são palatáveis a investidores, mas são essenciais para implementar a visão do fundador.

Exemplos dessa vocação do mecanismo estão na sua pessoalidade. Tais ações são convertidas automaticamente em ordinárias “desempoderadas” se forem transferidas para alguém que não tenha voto plural e se o vendedor perder o controle de seus direitos políticos, nem ser acionista indireto. Ou seja: se realmente sair, cessa o voto plural a ele concedido. Após a abertura de capital da companhia, inclusive, o superpoder só poderá ser reduzido, nunca aumentado.

É certo, como disse Francisco Mussnich, um dos autores do texto legal, que “nenhuma lei vai barrar um controlador desonesto”. Mas há momentos em que é adequado conceder superpoder a um superempreendedor.

Afinal, é ele que, com a faca nos dentes, olha no longo prazo e peita prejuízos para consolidar processos e induzir crescimentos exponenciais nesta nova economia.

Por: Marlos Nogueira