Ações Preferenciais: Como Funcionam e Quais as Vantagens para Estruturação de Negócios?

Ações Preferenciais: Como Funcionam e Quais as Vantagens para Estruturação de Negócios?

Quanto mais o Brasil se desenvolve, mais os empresários amadurecem. Ou, talvez melhor dizendo, quanto mais os empresários amadurecem, mais o país avança. O fato é que os negócios (e negociações) são cada vez mais complexos, multifacetados, criativos e fora do “lugar-comum”.

Já não são mais apenas duas pessoas que se associam para desenvolver um negócio em comum, investindo juntas e trabalhando juntas. É um empreendedor que, na largada, se junta com um investidor; um empresário que se associa com um fundo de investimento; uma empresa que recebe um aporte ou se endivida; uma companhia que é vendida, um vendedor permanece com uma fatia.

As possibilidades são infinitas porque o espírito de empreendedorismo é essencialmente criativo.

Esses relacionamentos que acontecem no mundo real precisam estar “encapsulados” para poderem ser organizados. Daí surge o conceito da sociedade como uma “pessoa jurídica”. São vários os tipos, sendo a limitada a mais utilizada. Mas com o apoio de uma legislação à frente de seu tempo, tais negócios, quando estruturados no Brasil na forma de companhias (Sociedade por Ações ou S.A), contam com uma vasta série de recursos e ferramentas jurídicas que servem, como na construção de um edifício, para lançar os alicerces e para definir quais são os pilares capazes de sustentar esse multiforme ecossistema empresarial.

Toda essa versatilidade, pensada para viabilizar o financiamento do capital próprio da companhia e atender a multiplicidade de interesses das partes envolvidas, customizando a distribuição dos resultados ou alinhando interesses (como os de governança), pode ser alcançada numa arquitetura societária aberta – cujo “projeto” fica “escrito” no estatuto da companhia e no acordo de acionistas. Nesses documentos, cada regra e cada instrumento jurídico devem ser milimetricamente calculados.

É aí que entra a criatividade na engenharia dos títulos societários (as ações).

Numa S.A, inclusive nas fechadas, tais ações podem ser divididas entre ordinárias, preferenciais e de fruição. Respeitadas as regras dispostas na Lei nº 6.404/ 1976, também conhecida como “Lei das Sociedades por Ações”, os empresários têm livre arbítrio para fazer suas escolhas quando da emissão dessas ações. Aqui, o céu é quase o limite.

Dentre esses três tipos, destacam-se as preferenciais. Bastante flexíveis, podem ter  as mais  diversas  combinações  de  vantagens e  restrições, típicas ou atípicas, para modelar de forma específica o negócio em questão: (i) com  ou  sem  voto;  (ii) com  ou  sem  prioridade  de  dividendos; com dividendos (iii) cumulativos ou não, (iv) fixos, (v) majorados, (vi) mínimos ou (vii) com participação integral; (viii) com ou sem  direito  de  prioridade  de  reembolso;  (ix) resgatáveis  ou  não;  conversíveis ou não (x) em ordinárias ou (xi) em preferenciais de outra classe; (xii) com direito de eleger administradores em votação em separado; (xiii) com poder de veto de alterações estatutárias; (xiv) com reembolso a valor econômico no caso de rebaixamento da companhia de nível de governança; com (xv) dividendos acima dos mínimos, (xvi) garantia de pagamento mesmo diante da inexistência de lucros suficientes, (xvii) tag along, etc.

Alvo de críticas em razão da queda de sua popularidade sobretudo no âmbito das companhias abertas – já que, após a criação do novo mercado BOVESPA, os investidores passaram a se interessar menos na compra de ações sem direito a voto (uma possibilidade, não uma regra) –, as ações preferenciais devem ser vistas como um relevante meio para estruturação/planejamento empresariais, seja para captação de recursos sem afetação da estabilidade do controle, com excelente adaptabilidade para  a estruturação de capital, seja para turnaround ou para acomodação dos vários interesses (contrapostos, divergentes ou parcialmente convergentes) dos grupos de acionistas, ou mesmo para balanceamento de direitos e obrigações entre eles. Tudo, enfim, para auxiliar no crescimento de uma S.A.

Essa miríade de opções ocorre por conta de sua principal característica: a flexibilidade.

Exemplo disso é a possibilidade (prevista em Lei) de divisão das preferenciais em diferentes classes. A depender das “vantagens” oferecidas a cada uma delas, isso permite a organização sistêmica da companhia com acionistas de diferentes características (por exemplo, perfis, funções, recursos, conhecimentos, tecnologias, experiências, objetivos, etc).

Ao lado do voto plural, a emissão de ações preferenciais também pode ser uma boa ferramenta para a companhia cujos controladores não tenham interesse em conferir aos investidores o poder de influir ativamente nas decisões da empresa. Isso é possível porque existe previsão legal que confere às companhias a possibilidade de emitir preferenciais sem direito a voto, desde que o número de ações não ultrapasse 50% (cinquenta por cento) do total das ações emitidas.

Outra característica de maleabilidade das ações preferenciais é a conversibilidade. Convertem-se preferenciais em ordinárias ou até mesmo preferenciais de determinada classe em preferenciais de outra classe – e isso pode ser muito útil para as companhias. Através de uma combinação entre ações ordinárias e preferenciais, os diferentes grupos de acionistas podem ter equilibrado o seu poder e customizadas de forma ampla a base de cálculo e a distribuição de resultados, por exemplo, segundo o que livremente negociaram.

A conversão poderá se dar, ainda, por upgrade, redução, ou também pelas demais hipóteses legais, como é o caso das preferenciais sem direito a voto que o adquirem quando do não pagamento dos dividendos fixos ou mínimos pela companhia ao longo de três exercícios consecutivos. Por outro lado, a conversão pode ser realizada em favor do acionista quando verificada sua diluição patrimonial, como que numa espécie de recompensa (alterando-se vantagens) ou penalização (alterando-se restrições).

Mais um exemplo interessante a ser previsto nos instrumentos societários para fins de antidiluição é a possibilidade de mecanismo protetivo para aqueles investidores que adquiriram suas ações a um preço superior às novas ações ofertadas mediante a conversão das suas preferenciais em outra classe acionária, a uma taxa favorável.

As preferenciais podem ser usadas, ainda, como uma maneira de manter aqueles acionistas originários no quadro acionário da empresa: utilizando-se do mecanismo conhecido por “pay-to-play”, é possível estabelecer encargos maiores para aqueles que não aportarem recursos em rodadas posteriores de investimento. A ausência do aporte pode implicar na “punição” de conversão da preferencial em outro tipo ou classe acionária.

Essa plasticidade das preferenciais é aproveitável, também, no contexto das operações societárias (Mergers and Acquisitions, ou Fusões e Aquisições).

Nessas transações, a dinâmica dos diversos tipos de dividendos das ações preferenciais permite modular uma rentabilidade mínima ao investimento feito ou compor o pagamento de parcelas do preço de aquisição, além de ser possível reduzir o impacto tributário de ganho de capital.

Há negociações, inclusive, que demandam uma customização bem específica quanto à proteção do investimento decorrente da transação, ou mesmo emulação de equity para operações de dívida. Em casos assim, o uso de ações preferenciais permite não somente prioridade de reembolso, mas gatilhos de dividendos prioritários (ou outras vantagens) em certos eventos, como os de liquidez, alterações de rentabilidade, venda de ativos ou da empresa, marcos definidos, etc. Outras negociações podem revelar um investidor mais passivo, que não deseja votar ou operar a companhia, e aceita restrições de governança em troca de outras vantagens. Tudo isso é possível calibrar com ações preferenciais.

Para além das transações de M&A, também nas reorganizações societárias (em joint ventures, carve outs,cisões, spin offs, , etc), ou mesmo em programas de incentivos a diretores, é possível alocar dividendos a uma classe de ações e vinculá-los a certo ativo ou unidade de negócios da companhia, e não ao resultado geral desta. São as chamadas “Tracking Stocks”.

Já no caso das Sociedades de Propósito Específico (SPEs), cujos investimentos, normalmente, possuem prazo de duração determinado, por exemplo, é possível que as ações preferenciais confiram privilégio aos investidores em relação ao seu reembolso.

Não somente nas negociações, mas também no contexto do planejamento sucessório das empresas familiares, merecem destaque as chamadas “Golden Shares”. Esse tipo de ação funciona como se fosse uma classe especial das ações preferenciais, que confere aos seus detentores direitos políticos de importância estratégica. É o caso, por exemplo, da figura do “dono” originário de uma empresa familiar que, apesar de não mais atuar de maneira ativa no dia a dia empresarial, detém o poder, conferido pela Golden Share, de nomear algum(ns) de seu(s) diretor(es).

Feitas essas reflexões, necessário dizer que, para que o uso das ações preferenciais seja, de fato, benéfico para a estruturação do negócio, é importante que as regras do jogo sejam estabelecidas e instrumentalizadas de forma muito clara.

Ainda que as fundações para a estruturação do negócio sejam boas “na planta”, é preciso mais do que boas palavras e desenhos bonitos para evitar que, com os maus ventos de uma crise, toda a estrutura afunde.

É necessário que se tenha um cuidado ímpar com as disposições dos documentos societários da companhia para que, o que foi construído para ser solução da complexidade, não se torne problema: de nada adianta ser criativo quanto as mais modernas formas de lidar com os investidores se, no fim do dia, nenhuma delas é eficaz.

Por Marlos Nogueira e Jade Fioravante

 

 

Referências bibliográficas:

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Volume 2 [livro eletrônico]. Direito de Empresa, Sociedades. 4ª Ed. São Paulo, Thomson Reuters Brasil, 2021. RB-4.10.

BARBOSA, Henrique Cunha. Ações Preferenciais, “Superpreferenciais” e Tracking Stocks como Instrumentos de Operações Societárias. In: BOTREL, Sérgio; BARBOSA, Henrique Cunha. Novos Temas em Direito e Corporate Finance. Quartier Latin do Brasil. São Paulo, 2019.