Já imaginou se, além de torcedor, você pudesse se tornar “dono” do seu clube do coração?
Publicada em 06/08/2021, a Lei nº 14.193, de 06 de agosto de 2021 (Lei da Sociedade Anônima do Futebol – SAF) deu aos clubes brasileiros de futebol a possibilidade de constituírem como Sociedades Anônimas, em detrimento do formato associativo, que hoje prevalece na maior parte dessas entidades no Brasil.
A principal mudança trazida pela nova legislação é justamente a possibilidade de que os clubes (e demais pessoas jurídicas cujo objetivo é o fomento, prática e a competição relacionada ao futebol) se pautem pelo regime empresarial das companhias, tendo então acionistas. Essa situação lhes confere prerrogativas potencialmente interessantes, inclusive do ponto de vista econômico.
Aos assíduos expectadores do futebol brasileiro, é possível que essa regulamentação traga, à primeira vista, certa estranheza: há algum tempo se sabe que já é possível que clubes se constituam sob a forma de empresa no Brasil, como é o caso do atual Red Bull Bragantino, time que ganhou força no Campeonato Brasileiro nos últimos anos a partir da fusão do Bragantino com o Red Bull Brasil.
Acontece que, com uma possível transformação em SAF, além de os clubes conseguirem obter vantagens financeiras advindas da emissão, por exemplo, de debêntures-fut (que é a denominação legal dada) e de títulos mobiliários (a partir da regulação da CVM), será possível profissionalizar o futebol brasileiro por meio da obrigatoriedade da governança corporativa nessas companhias, algo que não é legalmente exigido das sociedades limitadas, como é o caso do Red Bull Bragantino. Além da novidade da governança, há determinação legal para que os diretores da SAF tenham dedicação exclusiva a essa atividade.
Aderir ao novo regime poderá ser a chave para a resolução dos problemas de endividamento de alguns clubes brasileiros, já que a lei determina que a nova SAF não será responsável pelas obrigações do clube ou da “pessoa jurídica original” que a constituiu, apesar de assumir direitos e deveres que, pela Lei, são necessariamente transmitidos para a nova pessoa jurídica (participação em competições, contratos de trabalho, de uso de imagem ou outros tipos vinculados ao futebol).
A pessoa jurídica original, por sua vez, deverá arcar com as despesas anteriores à constituição da SAF por meio de receitas próprias e de valores transferidos pelas SAFs, quais sejam: a) 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores; e b) e 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida da SAF na condição de acionista – sendo que os administradores da SAF respondem pessoal e solidariamente por esses repasses, caso não realizados.
Outro ponto interessante, do ponto de vista financeiro, é que a Lei veda a realização de qualquer tipo de constrição sobre o patrimônio das SAFs relativo aos débitos anteriores à sua constituição, na hipótese de os repasses devidos estarem sendo realizados de forma regular. Além disso, por se tratar de um regime empresarial, as SAFs poderão passar por processos de recuperação judicial e extrajudicial, da mesma forma que é permitido às sociedades empresárias não relacionadas à prática desportiva.
Essas peculiaridades da SAF já têm sido vistas com bons olhos por clubes brasileiros, como é o caso do Cruzeiro, que hoje sofre com dívida bilionária, conforme confirmado pelo próprio Clube em abril deste ano[1], e que também já contratou a XP Investimentos para conseguir investidores para o clube[2].
A Lei, ainda que promulgada com o veto das disposições que tratavam sobre a instituição de um Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF), contém previsão sobre como ficará o pagamento de passivos tributários anteriores às eventuais transformações dos clubes em S/A: aqueles clubes não incluídos em programas de refinanciamento do Governo Federal poderão apresentar proposta de transação nos termos da Lei nº 13.988, de 14 de abril de 2020.
Optar pela constituição de uma SAF é, como se pode imaginar, facultativo, e depende da iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento, ou das prioridades estratégicas de cada clube. Neste último caso, o clube poderá escolher passar ou por uma transformação completa da estrutura da pessoa jurídica já existente, ou por uma cisão que, neste caso, seria destinada à segregação do departamento de futebol das demais modalidades esportivas, as quais, até o momento, não são passíveis de regulação pelo regime das SAFs.
Enfim, será uma nova era em que torcedores apaixonados passarão a ser também acionistas?
Por Jade Fioravante
[1] https://ge.globo.com/futebol/times/cruzeiro/noticia/cruzeiro-afirma-que-divida-global-esta-em-r-897-milhoes-e-aponta-reducao-de-divida-a-curto-prazo.ghtml
[2] https://valor.globo.com/empresas/noticia/2021/08/19/cruzeiro-contrata-xp-para-ter-investidor.ghtml