Governança Educacional

Governança Educacional

O Brasil é um país cuja história se desenrola com um dinamismo impressionante. Em poucos anos, um fator crucial para a nossa produtividade passou de bônus, para ônus. Trata-se do “b(ônus)” demográfico. Esse bônus é a situação em que o número de habitantes em idade ativa (entre 15 e 64 anos) supera o total de idosos e crianças (considerados dependentes). Em 2013, o IBGE previu que esse fenômeno, que amplia a capacidade produtiva do país e que havia se iniciado por volta de 1980, acabaria em 2023. Porém, agora, em 2018, o IBGE procedeu a uma revisão e constatou: o bônus demográfico brasileiro acabou. Agora, é ônus. Estamos envelhecendo. Haverá menos jovens na sociedade. De locomotiva passaremos a ser vagão. E, pelos trilhos, vêm subidas íngremes adiante. Como o país poderá seguir em frente?

Para aumentar a carga de dramaticidade, quase 20% dos jovens entre 14 e 29 anos são absolutamente improdutivos. São conhecidos por “nem-nem”: não trabalham, nem estudam. Cerca de dois terços dessa faixa etária gostariam de deixar o país. Ou seja: nesse mundo globalizado e tão desafiador, o país envelhece, perde força produtiva e a capacidade de se reciclar porque seus jovens ou se tornaram “zumbis”, ou imigrantes.

Os efeitos são dramáticos também dentro das empresas – 90% delas de matrizes familiares. É no seio das mesmas famílias brasileiras que hoje envelhecem que surgem as empresas que, pelas idênticas razões do país, estão cada vez mais ameaçadas pela “zumbização psicoativa” ou pela “exportação” dos (jovens) talentos humanos.

Qual a postura adequada por parte das empresas? Já que “trabalhar” a taxa de natalidade poderia ser entendido como excessiva “intervenção privada”, empresas poderiam “afetar” o bônus demográfico se decidissem participar, de alguma forma, na intervenção na ponta da mortalidade infantil e juvenil (fazendo investimento social privado em saúde, educação e segurança, por exemplo). Já há organizações com esse olhar. Mas, assumindo, meramente para o debate aqui proposto, que isso é papel exclusivo do Estado e que ele tem plenas condições de conduzir políticas públicas voltadas ao bônus demográfico, pergunta-se: existe algo com que a sociedade – leia-se a iniciativa privada traduzida nas empresas – deveria se preocupar para reverter essa ameaça à produtividade do nosso país?

A resposta passa por certas reflexões. Por exemplo, por que tantos jovens, inclusive filhos de empresários, não trabalham, nem estudam? Por que tantos querem se mudar do país? Será que a saída para as empresas (e consequentemente para o país) não estaria em que aquelas assumissem a responsabilidade de dar aos jovens o que eles buscam para que eles lhes devolvam o que elas necessitam? Fechando ainda mais o foco da reflexão, como a governança da empresa familiar deve encarar o que vem pela frente? Como os jovens empresários sucessores têm sido formados, quais oportunidades lhes estão sendo concedidas, quais os desafios lhes têm sido apresentados? Há, na organização, um planejamento sucessório que lhes dê perspectivas concretas, especialmente do ponto de vista de pertencimento, vocação e propósito, evitando que sejam Nem-Nens, ou que desejem desesperadamente sair do país? Alguém, na empresa, dá ouvidos a esses jovens? Abrindo esse canal geracional, o que o negócio ganharia em contrapartida?

Sim, há uma troca, um ganha-ganha. Todo o atual enredo de negócios desta denominada “era 4.0” se desenvolve em um mundo que, muito provavelmente, só os jovens serão capazes de entender. Eles buscam a chance de afetar essas realidades, fazer a diferença, e precisam ser ensinados sobre reponsabilidade. Não adianta reclamar de ninguém. A responsabilidade é de todos, pais ou filhos. Afinal, é um mundo, no mínimo, estranho. Parece ter saído de telas de ficção científica. Um mundo em que, já em 2018, paredes de casas são erguidas por robôs. Em que o reboco é feito por máquinas automatizadas. Ou em que casas nem são feitas por robôs nem rebocadas por eles, mas impressas por impressoras tridimensionais. Um mundo em que se constata que a maior quantidade de trabalhadores, em um país como os Estados Unidos, é da área de logística, mas todos esses empregos estão “ameaçados” porque lá, neste ano, um caminhão autônomo cruzou o país de costa a costa, percorrendo quase 4 mil quilômetros sem motorista. Ou porque o porto de Los Angeles, o de maior movimentação naquelas paragens, substituiu 16 mil trabalhadores por robôs. É o mundo da Amazon, que contratou 75 mil robôs para gerirem todos os seus armazéns, demitindo 170 mil funcionários, e da Foxconn, que demitiu 60 mil funcionários, substituindo-os por máquinas – mesmo que tais funcionários custassem apenas 5 dólares por dia. Que tipo de empresa vai entender um ambiente de negócios assim? Quais executivos vão saber lidar com tantos paradoxos?

Atualmente, os trilhos conduzem à Nova Economia, ecossistema em que tecnologia, meio ambiente e responsabilidade social se entrecruzam. Não descarrilar passa pelo acesso ao capital, em um mercado de alta densidade, num ambiente político-regulatório amigável e adequada estruturação legal (societária, tributária, contratual, regulatória).  Mas passa também por atrair, cultivar, reter, desenvolver, valorizar (e tantos outros verbos) os talentos humanos, em especial os mais jovens, gerando oxigenação dos processos.

E talentos humanos são reflexos da educação. A academia e a iniciativa privada têm que viver em simbiose. Enquanto a educação não for prioridade zero no país, continuaremos exportando nossas melhores mentes, nossos maiores talentos, para que outros países os formem e desfrutem de seus dons.

Isso também se aplica às empresas. Elas precisam seguir adiante. E, seguindo adiante, levarão junto o país. E elas seguirão adiante principalmente quando sua perpetuidade não for ameaçada pela “morte” prematura da geração sucessora. Salvar os sucessores, educando-os a suceder o negócio com responsabilidade, é salvar a empresa. Salvar a empresa é, no final do dia, salvar o país.

Sem investir nesse viés de governança empresarial, continuaremos como zumbis que lamentam a própria sorte.

Sem isso, continuaremos transformando nossos bônus em ônus.