Imagine poder escolher, por sua expertise, um profissional especialista para ser o árbitro encarregado de decidir as disputas societárias da sua empresa ou os conflitos contratuais existentes entre a sua sociedade e seus parceiros comerciais. Agora, imagine ser possível escolher quais “regras do jogo” valerão para essas disputas. Por fim, imagine que todos os procedimentos para solucionar essas contendas correrão em completo sigilo e serão decididos em questão de meses, sem aquela eterna choradeira de recursos.
Se essa realidade lhe pareceu interessante, este artigo ajudará a conhecer e compreender melhor o método extrajudicial de solução de conflitos conhecido como Arbitragem.
A Arbitragem é uma indispensável ferramenta de solução de conflitos que, em conjunto com a mediação e a conciliação, são alternativas que podem ser usadas em detrimento do tradicional sistema judiciário. É um acordo feito antes ou depois de um conflito para resolvê-lo sem um juiz estatal e conforme regras livremente estabelecidas. Mais do que uma opção à disposição dos litigantes, ela também auxilia a “desafogar” o aparato público.
Na Arbitragem as decisões são geralmente tomadas por três árbitros. A Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem) permite, no entanto, que as partes decidam livremente quantos árbitros irão indicar, desde que o número sempre ímpar. É costumeiro que cada uma das partes indique o árbitro de sua preferência e, após escolhida a dupla, é ela quem vai indicar o terceiro, normalmente de lista de renomados profissionais – e este terceiro deverá presidir o que se chama de Tribunal Arbitral.
O fato de a indicação de árbitros ser feita pelas partes é justamente o que contribui para que haja isonomia na Arbitragem. É delas a maior vontade de que o conflito seja resolvido de forma técnica, célere e eficaz. Afinal, questões empresariais são complexas demais para serem resolvidas por generalistas, até porque envolvem múltiplas disciplinas além do direito (contabilidade, finanças, administração, economia). E essa é uma importante garantia de que o trabalho será sério e bem feito: indicar indivíduos que não tenham a competência, independência, imparcialidade e comprometimento exigidos pela situação é como uma faca de dois gumes – e tentativas de tirar vantagem podem sair pela culatra.
Esses procedimentos são realizados comumente dentro de órgãos arbitrais institucionais ou entidades especializadas, como as líderes do segmento CAMARB (Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial Brasil) e CCBC (Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá). Elas são estruturadas para gerir e administrar todo o andamento processual, desde a instauração da arbitragem até a prolação da sentença. Contam, ainda, com uma lista própria de árbitros que, caso seja da vontade das partes, podem ser escolhidos por simples sorteio em detrimento da rotineira indicação.
Após a indicação dos árbitros, cada parte terá a oportunidade de formular suas alegações e pedidos diante do Tribunal Arbitral. Findo esse período, a sentença deverá sair dentro de seis meses, caso as partes não tenham estipulado prazo diferente.
A sentença arbitral tem a mesma “força” da sentença judicial, e por isso não se pode dela recorrer junto ao judiciário. Caso haja algum tipo de defeito sério no procedimento, o que acontece em casos absolutamente excepcionais, é possível postular pela nulidade dessa sentença, ocasião em que uma nova decisão, também formulada em sede arbitral, deve ser prolatada.
A Arbitragem, apesar de ser uma alternativa à jurisdição estatal, tem características que a diferem – muito! – do que se está acostumado a ver dentro dos fóruns e tribunais pelo país.
Em primeiro lugar, geralmente os procedimentos arbitrais correm em sigilo – até porque a discrição é um dos deveres do árbitro. É por isso que é comum ver, no noticiário, que decisões importantes de disputas de grandes empresas, inclusive em fusões e aquisições (M&A), não estão sendo tomadas por magistrados, mas sim por árbitros. Não é interessante, do ponto de vista negocial, correr os riscos de uma exposição prematura ou mesmo indevida de disputas jurídicas que, por vezes, envolvem temas sensíveis ou sequer vão adiante.
Uma segunda diferença interessante sobre a arbitragem em detrimento do judiciário é que, na Arbitragem, é permitido que, não somente os árbitros, mas também as regras aplicáveis sejam livremente escolhidas pelas partes.As vantagens de se escolher renomados julgadores especialistas, diligentes e competentes para cada tipo de problema já estão mais do que claras: é isso o que garante isonomia e tecnicismo nas decisões a serem tomadas por tais profissionais que, justamente por terem uma carreira de sucesso, são independentes. Já o benefício de poder ser decidida livremente a regra do jogo torna o procedimento não só mais fluido, mas muito mais amistoso, com uma comunicação desobstruída e uma ambiência adequada para que um acordo possa ser mais facilmente alcançado.
Aliás, em se tratando das regras aplicáveis aos procedimentos arbitrais, a vantagem surge sobretudo nos casos em que os litigantes sejam de nacionalidades diferentes: na Arbitragem é possível optar pela aplicação de regras de Direito de qualquer país do planeta. De repente negociar com estrangeiros ficou descomplicado.
Uma terceira vantagem desse instituto é a rapidez com que são tomadas as suas decisões definitivas. Ao contrário do que acontece no Poder Judiciário, no qual, infelizmente, é comum que litígios ultrapassem gerações, na Arbitragem o procedimento não excede o tempo necessário. Formuladas as alegações das partes e produzidas as provas necessárias, tem-se a sentença, com exigência legal de prazo exíguo. E, como vimos, a sentença arbitral não é passível de recurso.
Portanto, a empresa que elege a arbitragem como meio para a solução de seus conflitos terá, inevitavelmente, mais tranquilidade e previsibilidade. Por exemplo, na elaboração de suas projeções financeiras, visto que as preocupações com provisionamento de valores relacionados a conflitos jurídicos não mais se estenderão por vários exercícios. E, claro, um processo mais rápido é um processo mais barato, já que o custo é uma função também do tempo.
Por mais que a utilização da Arbitragem seja mais popular no âmbito das grandes empresas, esse instituto não é restrito à realidade dessas companhias.
A Arbitragem é uma excelente ferramenta também para empresas de pequeno e médio porte, podendo ser amplamente utilizada pelas empresas familiares, inclusive em temas societários, o que tem sido cada vez mais encorajado pelos especialistas no assunto.
Havendo qualquer “direito patrimonial disponível” (ou seja, matérias relacionadas a bens jurídicos sobre os quais se pode dispor), é possível que se eleja a Arbitragem como meio de solução de conflitos a eles relacionados.
É possível, também, optar pela Arbitragem em dois momentos diferentes: “antes do problema”, quando, no momento de redação de contratos e/ou quaisquer instrumentos, as partes entram em acordo quanto à remissão de seus eventuais conflitos futuros para a Arbitragem, inserindo a chamada “cláusula compromissória de arbitragem”; ou “depois do problema”, de modo que, se diante de um conflito concreto ou mesmo um processo em curso, as partes decidem resolver suas diferenças pela via arbitral, firmam o chamado “compromisso arbitral”, no qual serão dispostas todas as questões relacionadas ao funcionamento do procedimento.
Importante dizer que, qualquer que seja a via eleita, é necessário ter muito cuidado na redação dessas convenções arbitrais. Isso porque, havendo motivos para desconfiança da real intenção das partes, é possível que essas convenções sejam anuladas e os conflitos sejam remetidos ao judiciário – justamente o que se pretende evitar.
Também é bom frisar que não é uma questão de quem seja melhor ou pior, certo ou errado – Judiciário ou Arbitragem. São somente métodos distintos de solucionar conflitos. O primeiro, estatal, tem uma abordagem mais “horizontal” (pela quantidade de casos, similitude entre eles, escassez de recursos, humanos inclusive, tende-se a um julgamento “por atacado” e mais padronizado, o que pode gerar menor imersão no problema e nas provas e um formalismo em detrimento da verdade). O segundo, privado, tem uma abordagem mais “vertical” (menos casos por julgador, recursos mais disponíveis, maior chance de julgamento customizado, especializado, com mais imersão no caso e nas provas e uma maior busca pela verdade em detrimento do formalismo).
Portanto, a Arbitragem pode ser uma excelente alternativa para seu negócio, sendo certo que, em se tratando de conflitos jurídicos no âmbito empresarial, vale o ditado “cada caso é um caso”. Daí a importância de se caminhar em conjunto com profissionais capazes de oferecer uma boa orientação.
Por Marlos Nogueira e Jade Fioravante.