É fato que toda empresa de sucesso teve início com uma boa ideia de algum de seus fundadores. E é comum que, depois da ideia, o passo seguinte seja a reunião de pessoas de confiança capazes de retirá-la do papel.
Mas, para que a atividade cresça e se desenvolva, é necessário mais do que uma boa ideia. O dia a dia empresarial é o verdadeiro desafio: a tomada de decisões rápidas e certeiras é determinante para a sobrevivência do negócio.
Se no início de tudo a presença de outras pessoas no quadro social da empresa era uma solução, com o tempo, essa pode se tornar a maior dor daquela organização.
É que nem sempre, na realidade empresarial, o controle da sociedade é algo bem definido – e nem sempre os sócios vão concordar entre si. Além disso, muitas sociedades são estruturadas justamente para que todos os sócios detenham participações societárias idênticas, o que pode vir a dificultar a tomada de decisões.
Nesses casos, poder contar com mecanismos ágeis e eficientes de solução de impasses é algo fundamental.
O que muitos empresários não sabem é que, para isso, é possível prever, nos documentos societários da empresa, cláusulas autoexecutáveis de solução de conflitos que, além de suprir a agilidade necessária na tomada de decisões, são um atalho muitas vezes preferível em relação à busca pelo Judiciário.
Veja abaixo algumas opções de cláusulas que podem ser úteis no seu negócio:
1. Voto do presidente: Nomeação de um presidente do conselho de administração ou da assembleia de sócios, que tenha um voto de qualidade. No caso de um impasse, o voto do presidente pode ser decisivo. O presidente pode ser um membro independente ou rotativo entre os sócios para garantir imparcialidade; 2. Voto de qualidade: Em caso de empate nas votações do conselho de administração ou assembleia, um membro independente do conselho, previamente acordado (não necessariamente o presidente), poderá ter um voto de qualidade (voto de desempate) para resolver o impasse; 3. Voto ponderado: Atribuição de votos ponderados aos sócios, de acordo com sua contribuição financeira, experiência ou conhecimento do setor (ou seja, um dos sócios tem um voto com peso maior para desempatar decisões). Isso pode ajudar a evitar impasses, dando maior peso aos votos dos sócios com maior envolvimento ou experiência. Isso pode ser aplicado a questões específicas ou em circunstâncias específicas; 4. Voto rotativo: Estabelecimento de um sistema de voto rotativo, no qual um sócio tem a oportunidade de tomar uma decisão unilateral em uma base rotativa e equilibrada (ou seja, o voto decisivo em uma reunião específica e outro sócio tem o voto decisivo na próxima reunião). Isso garante que todos os sócios tenham uma oportunidade igual de influenciar as decisões, além provocar uma reflexão (buscando o consenso) antes de “gastar a vez” de decidir; 5. Mecanismo de coin flip (cara ou coroa): Para questões menos críticas, as partes podem concordar em usar um método aleatório, como jogar uma moeda, para resolver o impasse. Isso pode ser útil para decisões de menor impacto onde a rapidez na resolução seja importante; 6. Decisão por lote: Em caso de impasse, os sócios concordam em sortear um nome para tomar a decisão final. Este método pode ser usado como último recurso, quando todas as outras opções de solução de impasses falharem; 7. Painel de especialistas: No caso de impasse em uma decisão técnica ou específica do setor, os sócios podem concordar em consultar um painel de especialistas independentes. A decisão do painel seria vinculante para os sócios. Ambas as partes devem concordar com a escolha do especialista; 8. Mediação temporária: Estabelecimento de um acordo pelo qual, em caso de impasse, um mediador temporário ou consultor externo seja contratado para ajudar a solucionar o problema específico. Esse profissional pode ser um especialista no assunto ou alguém com experiência em resolução de conflitos. 9. Escolha alternada (pendulum arbitration): As partes envolvidas no impasse apresentam suas propostas de solução final, e um árbitro ou painel de árbitros deve escolher uma das propostas, sem a possibilidade de optar por uma solução intermediária. Isso incentiva as partes a serem mais razoáveis e realistas em suas propostas; 10. Cláusula “shotgun” (disparo ou tiroteio): No caso de um impasse contínuo, um sócio pode ativar a cláusula shotgun, na qual ele oferece comprar as ações do outro sócio por um preço determinado. O outro sócio deve, então, decidir se aceita a oferta e vende sua participação ou se compra a participação do sócio ofertante pelo mesmo preço. Isso incentiva a negociação justa e pode resolver rapidamente os impasses; 11. Cláusula “shootout”: Se um impasse persistir, permite-se que cada sócio apresente uma oferta para comprar a participação do outro sócio. O sócio que apresentar a oferta mais alta adquire a participação do outro sócio, resolvendo o impasse. Essa cláusula é autoexecutável e pode forçar uma resolução quando outras opções falham; 12. Cláusula de desinvestimento acionado pelo impasse: cláusula que estabelece que, se um impasse persistir por um período predeterminado, isso acionará um processo de desinvestimento, no qual uma ou ambas as partes terão a opção de vender suas participações na empresa; 13. Cláusula de “cooling-off”: Em caso de impasse, estabelecimento de um período de “cooling-off” no qual ambas as partes se comprometem a interromper as discussões e retomá-las após um período determinado (por exemplo, 30 dias). Isso pode ajudar a aliviar as tensões e permitir que ambas as partes reconsiderem suas posições. |
Além das cláusulas acima, que permitem resolver com rapidez os impasses sociais, é necessário mencionar, ainda, duas outras previsões sobre métodos de solução de conflitos alternativos ao judiciário:
14. Mediação: Estabelecimento de um processo de mediação obrigatória, no qual um mediador independente e qualificado seja chamado para ajudar os sócios a resolver seus impasses. A decisão do mediador seria vinculante para os sócios; 15. Arbitragem: Em caso de impasse, os sócios podem concordar em submeter a disputa a um árbitro independente e qualificado (ou um tribunal com três árbitros). A decisão do árbitro (ou Tribunal) seria vinculante para os sócios. Para ler mais sobre a arbitragem, acesse o nosso artigo Vantagens e Benefícios da Arbitragem na Solução de Conflitos Contratuais, Societários e de M&A. |
Lidar com impasses societários não é tarefa fácil, e a persistência do problema pode trazer consequências irremediáveis para as relações entre sócios. Antever essa possibilidade é, portanto, a melhor alternativa para evitar desgastes desnecessários diante de problemas iminentes.
Por Marlos Nogueira e Jade Fioravante.